“A Delegacia de Repressão aos Crimes Informáticos busca identificar mais de 10 mil internautas que fizeram download de vídeo em que dois adolescentes de Porto Alegre aparecem em cenas íntimas. O delegado Emerson Wendt pediu à administração do site ‘4shared’ informações sobre quem postou o vídeo na página de compartilhamento de arquivos.
— O objetivo é identificar principalmente quem colocou o vídeo no ar. Depois, queremos saber quem baixou as imagens. O armazenamento de conteúdo impróprio é enquadrado no artigo 214-B do Estatuto da Criança e do Adolescente — explica Wendt.
A legislação determina que a pessoa que adquirir, possuir e armazenar foto, vídeo ou outro tipo de registro de cenas que envolvam sexo entre adolescentes, está sujeita a uma penalidade de um a quatro anos de prisão mais multa.
O delegado diz ainda que pediu ao Google a exclusão de um vídeo no YouTube que faz propaganda das cenas entre os adolescentes, postado na Inglaterra.
Na noite de domingo, 25 de julho, um adolescente transmitiu cenas íntimas dele com outra jovem ao vivo pela internet, com a Twitcam, uma ferramenta de vídeos do microblog Twitter.
Como o adolescente apagou suas contas no Twitter e no Orkut, o computador dele foi recolhido para perícia. A máquina foi entregue pela mãe dele à polícia. A adolescente que aparece no vídeo foi identificada.
Segundo o delegado Emerson Wendt, o adolescente afirmou que as cenas divulgadas foram resultado de uma aposta.
Assim que as análises forem concluídas, com a íntegra dos depoimentos e a perícia do computador, o caso será encaminhado à Delegacia do Adolescente Infrator e ao Ministério Público, para definição de quais crimes os jovens irão responder.”
Primeiro, o artigo ao qual a matéria se refere está errado. É o artigo 241-B e não 214-B, que não existe.
A lei fala que é crime:
- “Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar (…) vídeo (…) que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente” (art. 241-A)
- “Adquirir, possuir ou armazenar (…) vídeo (…) que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente” (art. 241-B)
Reparem que a lei não usa o verbo assistir e por isso existe a dúvida sobre o que pode acontecer com as 10 mil pessoas que assistiram o vídeo. O que a lei fala é que eles não podem ter oferecido ou divulgado o vídeo (por exemplo, colocado um link para onde o vídeo estava armazenado, ou mandado um email para um amigo avisando que o vídeo existe, ou indicado o site para os amigos na mesa do bar). A lei também diz que eles não podem ter disponibilizado (por exemplo, colocado o vídeo em seus próprios sites), distribuído (por exemplo, enviado o vídeo para um amigo ou colocado em um arquivo/folder compartilhado), ou transmitido o vídeo.
Além disso, a lei diz que é crime ter armazenado o vídeo. Ou seja, quem fez o download do vídeo para seu computador, armazenou o vídeo e, por isso, terá cometido o crime.
Mas ainda que eles não tenham feito nada disso, a lei diz que é crime adquirir e possuir o vídeo, e aí o problema é bem maior, pois esses dois termos são mais subjetivos quando estamos falando de internet. Adquirir é ter direito ao acesso ou passar a ser dono. Possuir é estar de posse, ou seja, ter consigo ou ter o direito de usar, ainda que não seja o dono (proprietário). Aqui há um espaço enorme para debates pois quem acessou o site onde o vídeo estava armazenado, a princípio, não estava de posse nem adquiriu o vídeo, mas dependendo da tecnologia usada para assistir o vídeo, o computador do usuário pode ter armazenado o vídeo ainda que apenas temporariamente (por exemplo, os vídeos podem ter sido carregados na memória volátil/temporária do computador). Nesse caso, é possível alegar que quem assistiu cometeu o crime.
E quem assistiu sem querer? Primeiro, como a lei não diz que esses crimes são punidos também em sua modalidade culposa, quem assistiu o vídeo sem querer não pode ser punido, pois um crime só é punido na modalidade culposa (cometido sem querer) quando a lei é clara a esse respeito. Mas, um bom magistrado, pode fazer um segundo teste para determinar a intenção do internauta: por quanto tempo a pessoa assistiu. A pessoa pode ter assistido por alguns poucos segundos e assim que percebeu do que se tratava parou de assistir. Fica claro para o magistrado que ela não tinha a intenção de assistir. Mas se ela, ainda que a princípio não soubesse do que se tratava o vídeo, começou a assistir e continuou assistindo, ela pode até não ter tido a intenção de assistir um vídeo com pornografia infantil quando acessou a página, mas ela tampouco parou de assistir depois que ela descobriu do que se tratava. Nesse caso, ela teve a vontade (dolo) de continuar a cometer o crime. É o mesmo que alguém que não tinha a intenção de atropelar um pedestre mas, depois de tê-lo atropelado, dá marcha ré para atropelá-lo novamente.